Escutava o jovem de 20 anos que falava do pai com a sensação de que ele reclamava de tudo. Quais eram as reclamações mais comuns? O pai reclamava quando ele sujava algo e não limpava. Quando ele ligava a luz e não desligava. Quando ele usava uma ferramenta e não guardava. E por aí seguiam os pequenos grandes problemas. Admitiu que, muitas vezes, o pai tinha razão. Porém, havia outras questões que o incomodavam, como as diferenças sobre sair de casa para as festas, os horários de estudo e a rigidez para se levantar, almoçar e jantar. O jovem argumentava que trabalhava e estudava, por isso podia se encarregar de sua própria vida. Era verdade. Contudo, o jovem não se lembrava de que ele vivia na casa de seu pai, assim, não pagava aluguel, água, luz, ITPU, internet, comida ou a roupa lavada. Portanto, naquela casa quem estabelecia as regras era o pai. Lembrei-o disso e emendei uma conversa que tive com o meu pai. Numa discussão, rebati verbalmente um comentário e o acusei de reclamar de tudo. Ele fez silêncio e logo disse:
– Moacir, eu tenho 44 e você tem 20 anos. Tem algumas coisas que ainda que você queira não pode saber porque são coisas que só a experiência pode ensinar. Pode parecer que reclamo de ti, mas são orientações! Às vezes, me exalto porque repito e repito as mesmas coisas. Agora quero te dizer para você se preocupar o dia em que eu não reclamar mais contigo, porque a partir desse dia o que você fizer ou deixar de fazer já não me importará mais porque eu não me importarei mais contigo.
O meu sangue gelou. Senti o peso das palavras no meu coração. A tranquilidade e a segurança com que foram ditas penetraram na alma. Ele prosseguiu:
– E isso se aplica na empresa em que você trabalha. Aproveite quando alguém fizer um comentário sobre o teu trabalho para escutar, analisar e absorver o que interessa. Comece a se preocupar quando o teu chefe, superior ou mentor não falar mais contigo…
Ele tinha razão. Acredito que tudo o que precisa ser dito possa ser dito sem ser ofensivo ou invasivo e sem ser assédio moral. Esse equilíbrio deve ser encontrado pelos pais, chefes, superiores ou mentores. Aquele que está do outro lado deve exercer a humildade para escutar e se abrir para aprender. Via de regra, um pai quer o bem do filho, razão dos comentários que se propõe a corrigir. Um chefe, um superior ou um mentor deve querer o bem da organização, o que exige que o colaborador desempenhe bem o seu papel. Como fazer? A Comunicação Não-Violenta (CNV) propõe quatro passos para diminuir a tensão nas relações. Ater-se aos (1) fatos: eventos que podem ser observados de maneira similar pelos envolvidos. Entender os (2) sentimentos: qual o sentimento que o evento desperta nos implicados. Identificar as (3) necessidades: o que cada um necessita naquela situação. Fazer os (4) pedidos: como cada um se expressa a partir dos fatos, considerando as necessidades e os sentimentos. Fácil? Não. Possível? Sim.
Na conversa entre o pai e o filho do início do texto, provavelmente, existem diferentes necessidades envolvidas. De um lado, o pai necessitava de ordem e de colaboração: como ele poderia se expressar? Por outro lado, o filho tinha a necessidade de autonomia e de reconhecimento: como ele poderia pedir? As necessidades de cada um são diferentes, por isso geram sentimentos distintos. As necessidades são conciliáveis? Aparentemente, sim. Entretanto, a comunicação entre as partes exibe uma tensão emocional que descamba para a quase violência. O lado positivo é que a tensão revela que eles se importam um com o outro. Adotar os passos da CNV pode contribuir para que você converse como quer conversar com quem você se importa.
Como você conversa com quem importa para você?
Por
Moacir Rauber
Blog: www.facetas.com.br
E-mail: mjrauber@gmail.com
Home: www.olhemaisumavez.com.br