INTERCULTURALIDADE NA PELE – LIDERANÇA E CARREIRA

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Um   extrato do capítulo de @Paula Moio no livro ‘Interculturalidade na Pele’que retrata bem a sua visão em termos de liderança de carreira e que revela uma trajetória de resiliência, perseverança, compromisso social e outras competências necessárias para que se deixe uma marca no mundo.

Ela fala do sonho e da realização.

Ela fala da conquista e do esforço.

Ela fala da origem e do destino.

Ela fala da IMAGINAÇÃO, do MOVIMENTO e do AFETO como qualidades de uma Secretária Executiva de alto desempenho.

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Interculturalidade na Pele

Saí, e da estação de metrô de White City liguei para a minha mãe em Lisboa muito satisfeita com o resultado, pois acabava de ultrapassar um grande marco – a minha primeira entrevista de trabalho no Reino Unido – histórico. Lembro-me de lhe ter dito: “Estou pronta. Que venham todas as entrevistas”!

No dia seguinte o telefone toca à uma hora da tarde com uma oferta de trabalho!… Chorei muito. Feliz. Perplexa. Extasiada. Confusa. Afinal esse não era o plano. Em princípio eu nem deveria reunir todos os requisitos. Eu até nem queria trabalhar full-time. Mais, aceitei candidatar-me certa de que não seria contratada, mas fui pela experiência da entrevista – era importante.

Este evento validou, e muito, a crença que sempre tive: de que é quando estamos distraídos, nos momentos em que não estamos a prestar atenção que a magia acontece.

Emocionada, percebi que toda a minha jornada me tinha levado até aquele preciso momento, e a recompensa foi o reconhecimento pelo meu mérito, indiscriminadamente, e independentemente de todas as “facetas” que eu pudesse ter, aliás, essas mesmas “facetas” eram afinal o meu “super power” – mãe, mulher, negra, e estrangeira!

E foi o que mais me encantou neste país – as possibilidades eram, e ainda são ilimitadas (apesar do Brexit) porque possíveis. Se repararem, tinham passado seis anos desde que tinha deixado Angola. Foram seis anos intensos, de solidão, de solitude, duros e incertos, mas que com fé, perseverança e muita resiliência emocional foi possível crescer e vencer todos os obstáculos. Estávamos então em julho de 2000 – caso para dizer que entrei o ano 2000 com os dois pés!

Esta era sem dúvida uma oportunidade extraordinária para demonstrar as minhas competências e habilidades, bem como retribuir o voto de confiança e investimento depositados em mim, com comprometimento e alta performance. O mundo era meu e o céu era o limite – carpe-diem.

Este ponto na minha trajetória demarca nitidamente um momento de viragem, um simbólico renascimento, transformação pessoal, crescimento profissional e ascensão de carreira.

Profissionalmente tem sido das jornadas mais gratificantes e completas que alguma vez imaginei trilhar. Vinda de uma cultura e geração em que a entidade empregadora teria o poder supremo, o empregado quase sem voz, e os seus direitos negligenciados, eis que encontro uma realidade completamente diferente – a anos luz de distância.

Um dos grandes contrastes que desde o início demarcaram a diferença foi o investimento em formação profissional. Desde a habitual indução e dias de familiarização, que ocorrem na primeira semana, a avaliações anuais 1-2-1, em que o executivo e o empregado não só refletem sobre o desempenho, performance; o que funcionou ou não, e o que pode melhorar, do ano que decorreu, como também identificam as necessidades de formação que irão contribuir para o crescimento, melhor performance e ascensão do empregado. É uma parceria estratégica em que são tidos em conta os interesses da empresa e do empregado, alinhados com a visão e os objetivos da entidade empregadora.

Dia de Familiarização da Radio

É assim que quatro meses depois de ter começado como assistente de equipa na direção de rádio de notícias da BBC, sou promovida a assistente pessoal e convidada a “assistir o director de rádio de notícias da BBC no Serviço Mundial, e a sua equipe de editores.

Ora, sendo eu estrangeira vinda de uma cultura completamente diferente, para quem, em dez anos de carreira jamais teve formação profissional, e muito menos avaliações anuais, abracei estas iniciativas com uma sede insaciável de aprender.

Desde uma ampla variedade de soft-skills, a inglês para business; de Noções Básicas de Web-Design a Consciência de Diversidade, Consciência de Deficiente, Preconceito Inconsciente ou Novas Formas de Trabalhar – trago na bagagem um conhecimento requintado que sem dúvida me amplia o mindset quer como profissional, quer como indivíduo.

Só assim me foi possível quebrar por completo os códigos culturais, mesmo os mais enigmáticos. Para além da inserção consciente que sempre fiz questão de integrar, comungar e implementar.

É claro que nem tudo são rosas, principalmente quando se assiste uma equipa grande e diversa como foram as duas equipas que assisti – quer no Serviço Mundial de Notícias (World Service News), quer no Serviço Mundial de Línguas (World Service Languages), onde pela sua diversidade, os códigos culturais acarretavam muito mais complexidade e por isso um desafio maior em decifrar.

Contudo, sempre me norteei por princípios de respeito, tolerância e humildade, primeiro comigo própria e segundo para com as acções e atitudes dos outros.

Mas, às vezes, nem mesmo assim tudo flui, e o maior desafio está em convergir as diferenças com sabedoria.

No Reino Unido, tal como creio no resto do mundo, quanto a mais alto nível for a posição, maior a competitividade. E é nítida a divisão entre locais e outsiders. Chega a ser ainda mais notória a divisão racial, e também de género.

Por vezes a discriminação é tal e tão obvia, que a diferença também se faz notar na escala salarial.

A determinada altura, eu era a única assistente negra no Conselho de Administração (Board), mas poucas foram as instâncias em que senti motivação racial, ou se o senti ocasionalmente, preferi ignorar. Fui mais marginalizada, boicotada e intimidada, e qualquer uma destas situações, motivada creio eu, por uso indevido de poder, inseguranças e competição desmedida por parte de alguns colegas do secretariado executivo.

Em qualquer um dos eventos tentei sempre elevar as minhas emoções com dignidade e superar as acções dos outros. Contudo, houve alturas em que tive que ser firme directa e incisiva, delineando assim um limite aceitável, mas partindo sempre de uma perspectiva de empatia, com a vívida noção de que nem todos temos a capacidade de tolerar e aceitar a diferença.

Houve um incidente que gostaria de deixar aqui gravado, porque é importante sob vários ângulos.

Em 2006 fui a Luanda para baptizar o filho da minha melhor amiga-irmã-comadre e cúmplice, daqueles eventos que não se pode deixar de estar presente. E combinei a viagem com o Natal para que pudesse estar com a família e amigos num ambiente mais festivo.

Em vésperas de embarque um colega, acredito que com a melhor das intenções, pergunta-me: “Vocês têm ar-condicionado na tua ‘vila?”

O meu pensamento fluía que nem um rio bravo incontrolável, pois eu que não acreditava no que estava a ouvir, e perguntava-me em silêncio: quantas camadas depreciativas teria esta pergunta que me é feita em pleno século XXI? Não será mais do que tempo de mudarmos a narrativa e a mentalidade sob pena de se correr o risco de manter o estereótipo da ‘single story’26? Como é que se poder promover inclusão com arrogância e ideias preconceituosas? Não expando este parágrafo deliberadamente, pois a intenção é provocar uma reflexão.

Usando uma boa dose de perseverança, tolerância e elasticidade emocional, consegui conquistar um nível satisfatório de respeito e colaboração entre colegas. Foram períodos de trabalho árduo, a maior parte deles solitário – um aspecto inerente à própria profissão, e por isso talvez, onde eu me pude focar e diferenciar pela determinação na entrega de um trabalho eficiente, honesto, fiel e consistente.

É importante salientar que foi na BBC que o meu autoconhecimento e a crença nas minhas potencialidades se ampliaram, facilitando assim o meu crescimento e desenvolvimento profissional, e a autoconfiança na busca da minha voz, paixão e propósito.

Durante o meu tempo na empresa, trabalhei com cinco executivos diferentes e com qualquer um deles a aprendizagem foi extraordinária.

Contudo foi com o meu último executivo, que por sinal mulher, com quem a sinergia e parceria foram excepcionais. Com ela, aprendi sobre liderança e humildade, parceria, team-working (trabalho em equipa) e colaboração, mentoria e empoderamento, compaixão e altruísmo – profissional, jornalista e líder de alto calibre com um sentido nato de integridade, com quem caminhei lado-a-lado, servi, protegi e fui leal durante os dez anos que trabalhámos juntas.

Após treze anos de casa sou galardoada com o prêmio de desempenho excepcional da BBC News. Os News Award são prémios anuais (uma espécie de Óscares internos) atribuídos aos funcionários que se destacam ao longo do ano.”

Isto é só mais uma prova de que qualquer vitória e conquista requerem, por debaixo do pano, nos bastidores: sacrifício, consistência, foco, comprometimento, propósito, integridade, fé em nós e na humanidade. Esta vitória teve um sabor incomensurável, porque ao contemplar a jornada, pude medir o valor que aquele pedaço de papel teve e ainda tem na minha vida, e terá para as minhas filhas e, espero, para muitas assistentes que queiram ter a coragem de atravessar fronteiras e saberem para onde vão, sem nunca se esquecerem de quem são e de onde vieram.

Tinham então passado já dezoito anos desde a minha chegada a Londres. E nada como o tempo para nos ajudar a nivelar emoções, e ajustes culturais. A integração tem que ser um processo orgânico, gradual e autêntico em que a responsabilidade da inclusão reside nas duas partes envolvidas – o país anfitrião e o imigrante.

Recordo-me com uma certa melancolia que o maior desafio foi aperceber-me e constatar em mim a fusão das duas culturas. Como é duro compreender que ao ganhar algo também se perde algo e o quão difícil é fundir a nossa identidade com uma nova adquirida.

É uma rotação de valores e crenças entre o que somos e a transição para o que passaremos a ser. É o abrir mão do que foi, de um pedaço de nós, e a fusão do novo…. É um conflito interno que desafiou ao máximo tudo o que fui e sou.

A arte e a sabedoria aqui, para mim, foi encontrar um equilíbrio neste “renascer” e aceitar a fusão da identidade cultural como a minha marca da liberdade conquistada. E foi aí que me reencontrei e vivo em paz – do tecido que me compõe: sou Angolana ferrenha, com essência Portuguesa e espírito Britânico.

A lição maior foi de empoderamento. Perceber que somos capazes de muito mais do que aquilo que nos damos crédito. A nossa resiliência em ultrapassar obstáculos, e em face às adversidades da vida, tem a elasticidade sempre na justa medida que precisamos. Aprendi a importância da fé que temos em nós próprios e em algo maior que nós, e o quão crucial é para a nossa autoestima valorizar o que somos, o que queremos e o que merecemos.

Afinal, são as conversas que temos conosco próprios que nos limitam ou nos libertam.

Paula Moio

Senior EA | Bilingual | Multi-Award Winner | Mentor | Author | Curious Leader | Lifelong Learner | Aspiring Agile Human

LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/paula-moio-32a65576/

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